Armazém 6

sábado, julho 23, 2005

Em tempo de seca...

Dos momentos diários passados no Armazém 6, o mais alto é sempre a hora de almoço, impreterivelmente das 13 às 14 horas.
A grande maioria dos "armazenados", que são cerca de 13, faz-se transportar de um tupperware que contém a comida para aquele dia. Os tempos estão maus, e não há capital para sustentar os restaurantes da zona.
Com 4 metros quadrados, a copa consiste numa mesa redonda para quatro pessoas, um pequeno frigorífico, um aparelho de microndas, uma máquina de café e um lavatório que insiste em revoltar-se com o seu constante entupimento.
Às 13 horas, um primeiro grupo ocupa a copa, constituído por 6 pessoas, que podem variar, mas que normalmente são sempre as mesmas por motivos que se tornarão claros ao longo dos posts que aqui serão criados. É feita uma fila de tupperwares ao lado do microndas de modo a que cada um não perca a sua vez de aquecer o desejado almoço.
À mesa, sentam-se seis "armazenados", apertados e acotovelados, quase que partilham os talheres, pedaços de comida e eventuais perdigotos que possam surgir durante o falatório e a comezaina.
De quando em quando, alguém tem comida mais elaborada, e todos provam e partilham, espetando os garfos no prato desse, saqueando a melhor parte: "Está muita bom!, como fizeste?", "Xavaaala, tá muita fixe...", "Queres um bocado do meu?, tá fixe.".
E assim se come, no meio de talheres de plástico, que se espetam no cotovelo do vizinho.
Certo dia, um dos "armazenados", o Sapo Atropelado (o porquê do nome será explicado mais tarde, na secção alcunhas e hierarquias) queixou-se:
- Ai... já não me apetece comer - suspirando e com pequenos arrotos internos insistia:
- Este resto de comida... já não consigo mais... estou cheia..
À sua frente, a Bruaca ripostou:
- Se não queres mais, não comas, que raio...
- Nãããão, não posso, faz-me impressão deitar comida fora. Se fosse pão, dava-lhe um beijo e deitava-o para o lixo, mas assim.. - Tinha um ar preocupado, a culpa de deitar restos de comida poderia ser-lhe demasiado pesada.
- Bom, se formos a pensar em tudo aquilo que desperdiçamos.Olha a água por exemplo, tanta que desperdiçamos e que tanta falta faz a milhões de pessoas. - Disse a Bruaca indiferente
Mas, a reacção de Sapo Atropelado foi inesperada. Abriu os olhos, retorceu-os, endireitou-se na cadeira de plástico, fazendo ranger todo o conjunto do mobiliário e disparou:
- NÃO, Bruaca! É que tu não estás bem a ver a cena! Eu, eu, por exemplo, não desperdiço água! Eu, por exemplo, tipo, se vou a um café e peço um copo de água, bebo-o todo!! Tás a perceber?!