Armazém 6

domingo, outubro 25, 2009

Olho de Serpente

Houve em tempos um “armazenado” que fazia as delícias das “armazenadas”. Rapaz jovem, atlético, louro de cabelo espetado e magro de rabo saliente. Mas, a opinião de todas era unânime: Faltavam-lhe os olhos azuis ou verdes.
- Xavalo! Tu com uns olhinhos claros ficavas mesmo perfeitinho para dar uma voltinha comigo!
- Ó bonzão! Olha lá! Olha aqui para mim! Ai. Ai. Com uns olhinhos claros é que me levavas ao altar.
- Uiii! Até ias à televisão!
Sussurrava-se pelos cantos: “minha! O gajo não tem namorada!”, “iá, mas xavala, aqueles olhinhos é que não estão a dar com nada!”
É claro que o rapaz, de olhos castanhos pequenos, encovados numa testa demasiado proeminente, ficava com o ego em fervorosa. Mas não passava dali. Elas riam-se histéricas e fugiam apressadas a qualquer tentativa de aproximação da parte dele.
- Ahahahahah! Vai mas é mudar de olhos e depois vem falar comigo!
Como o que ele queria mesmo era “dar uma” (ouvi-o eu uma vez num desabafo), tomou uma decisão.
“Vou comprar umas lentes de contacto coloridas! Estas gajas vão ver como é que é!”
Andou em pesquisas frenéticas na Internet, fez simulações com a própria fotografia para tentar escolher qual das lentes lhe ficava melhor.
Até que encontrou o ideal!
Umas lentes em forma de olho de serpente, amarelas com a íris preta num risco horizontal. Nada melhor para as surpreender! “Estas gajas vão ver como é que é” repetia, suando em frente do computador.
Encontrou estas lentes num portal coreano dedicado a piercings e tatuagens. Mas o problema surgiu quando, ao ir clicando para a compra do produto chegou à altura do método de pagamento: Só com cartão de crédito!
- Foda-se!!! Eu não tenho cartão de crédito! – Desesperou
Ainda tentou procurar noutros portais, mas nada! Olhos de serpente muito poucos e os que havia só permitiam pagamento com cartão de crédito.
“Isto tem de ter uma solução, vou arranjar alguém que tenha cartão de crédito, tem mesmo que ser! Estas gajas vão ver como é que é!”
No dia seguinte no Armazém 6, o rapaz “olho de serpente” conseguiu falar com um “armazenado”do seu problema.
- Iá! Não há problema, eu faço essa compra na net, mas eu também não tenho cartão de crédito – dizia calmamente
- Fosga-se meu! Atão não percebestes nada do que te expliquei! – Parecia ter falado demasiado alto e as “armazenadas” já começavam a desconfiar que algo se passava.
- Chhhiiuuu! Fala baixo meu! Que isto está tudo sob controle – apaziguava – Eu tenho um método de comprar na net sem crise nenhuma, trust me man!
E assim foi, qual o método não cheguei a perceber, o que percebi foi que no dia seguinte o rapaz “olho de serpente” chegou ao armazém com um saco de plástico do continente cheio de dvd pirata que vendeu aos “armazenados” por 3 euros cada. Havia variedade nos filmes e até pareciam de boa qualidade.
Passada uma semana, finalmente, as lentes olho de serpente chegaram ao destino.
Chegou ao Armazém 6, triunfante com os seus novos e sensuais olhos de serpente.
As “armazenadas” de início nem notaram até que uma delas explodiu:
- Ei!!! Olha lá para mim!
Ele, orgulhoso, levantou a cabeça lentamente e olhou de baixo para cima com os olhos bem abertos para ela, sorrindo de satisfação.
- Fónix!! Qué que tens nos olhos xavalo?? – gritou de tal modo que todas as outras “armazenadas” se aproximaram rapidamente. Até Cabeça de Fósforo espetou a sua cabecinha de fora do seu gabinete para ver que se passava.
- Gostas? É serpente.– pôs a boca de lado num sorriso sedutor
- Men!! Tu tens é de ir para o hospital! Dass!! Tás com os olhos a deitar amarelete por todo o lado!
Por esta altura já as “armazenadas” se riam descontroladamente.
Ele retirou-se rapidamente para ir à casa de banho verificar o que tinha acontecido.
As lentes coloridas tinham começado a desbotar o amarelo-serpente e ele tinha os olhos já num crivo de alergia e irritação.
No dia seguinte não foi trabalhar, chegou mesmo a apresentar um atestado médico ao Patrão Bigodes pela ausência.
Nesse dia no Armazém não se falava de outra coisa mas a melhor que ouvi, no auge da erudição do Armazém foi:
- Minhas! Se aquilo é pelo olho de serpente imagino pelo olho do cú!
Riram-se todas e até o Armazém 6 parecia mais colorido de alegria

quinta-feira, outubro 04, 2007

Não há almoços de graça

Depois desta esmagadora notícia no Armazém 6, tudo mudou.
As armazenadas já não eram as mesmas de outrora. Chegavam pontuais de manhã, saíam pontuais à tarde. Nunca mais vi uma que fosse trabalhar de chinela de plástico do MacDonalds (coisa que foi hábito durante muito tempo). Trabalhava-se em silêncio e as mais intriguistas só exerciam a actividade frenética de dizer mal dos outros durante os intervalos (antes era a toda a hora, no meio dos "clip-cleps" do saca-agrafes). Aliás, esta importante actividade, que sempre esteve presente no Armazém 6, era agora de uma monstruosidade hérculea! Nas casa-de-banho surpreendia pares e trios de armazenadas, que imediatamente se calavam e se metiam em movimento quando alguém não inserido no "grupo delas" entrava por acaso. Depois das 6 da tarde, algumas atrasavam-se de propósito para poder exercer a sua actividade sem risco de serem ouvidas.
Uma vez, duas das armazenadas chegaram ao extremo de comunicar que não iriam trabalhar em determinada tarde. O objectivo era poderem ter tempo suficiente para a "actividade".
Bem, somos livres de falar e de faltar ao trabalho, é certo. A questão é que o ponto de encontro das duas "armazenadas" foi precisamente ali! No armazém do lado, o número 7, onde trabalhava um velho zarolho que sempre ficava feliz com a companhia de "malta jovem e fixe".
O problema estava grave e profundamente instalado nas vidas de todas as "armazenadas".
- Quem é que vai ser despedido?
- Quem é que vai ficar na merda?- perguntavam ansiosas mas, ao mesmo tempo, com um sorriso sádico no rosto.
A estratégia era parecer o mais ocupadas possível no armazém 6, dar graxa a Cabeça de Fósforo e Sapo Atropelado (talvez elas dessem uma "palavrinha" a Patrão Bigodes em seu favor) e sobretudo, o mais esgotante, era fazer parecer que todas as "armazenadas" não eram dignas de tirar agrafes, à excepção delas próprias.
- Quem é que não puxou o autoclismo? É sempre a mesma merda! Como é que querem arranjar trabalho se não são capazes de ter higiene?
- Estas gajas devem pensar que num trabalho a sério podem faltar para ir ao médico! - diziam acerca de uma que estava grávida e tinha ido fazer uma ecografia.
- Não sei como é que o Patrão bigodes pode ter gente com piercings a trabalhar para ele! A culpa desta merda toda é dele! Sim! Todinha!
- Hoje à noite vou cozinhar mãos de vaca, ó Sapo Atropelado, amanhã não tragas almoço, comes do meu. - diziam isto em alto tom de voz para que todos ouvissem e, depois acrescentavam para o auditório do armazém - Sim! As minhas mãos de vaca não são para quem quer! É para quem merece!

E assim se passaram dois meses.

Por altura do Natal, chegou ao Armazém 6 uma nova equipa de trabalho da empresa "bué da cara e bué da organizada" que vinha substituir a pequena e familiar de Patrão Bigodes. Deviam colaborar com Sapo Atropelado e Cabeça de Fósforo ao mesmo tempo que serviam de seus supervisores e dos novos sacadores-de-agrafes, frescos e motivados.
Mas nem tudo correu bem para as duas seniores...

Não perca o próximo episódio...

sexta-feira, junho 22, 2007

Até amanhã, Senhoras!

Lembram-se das aventuras do Armazém 6?
Tudo aquilo foi real e, passado mais de um ano, as recordações são ainda fortes.
Hoje, o Armazém 6 está transformado em algo diferente.
Patrão Bigodes perdeu o seu negócio para uma outra empresa. Algumas "armazenadas" foram escoadas para outros negócios de Patrão Bigodes enquanto que outras ficaram no desemprego.
Contaram-me que, nas semanas que antecederam a transição da empresa, o caos no Armazém 6 foi elevado ao extremo.
Cada uma das armazenadas precisava de demonstrar que era a melhor trabalhadora e que, portanto, deveria ser escoada para outra empresa e não ficar desempregada.
Isto à excepção de Cabeça de Fósforo e Sapo Atropelado, que faziam já parte do Armazém 6, não estando sob a tutela de Patrão Bigodes. Mas a estas já lá vamos...
Quando se soube da notícia, Patrão Bigodes uma manhã entrou no Armazém 6 e disse:
- Minhas senhoras, precisamos de falar!
Pararam os saca-agrafes suspensos no ar, o silêncio foi absoluto. Interrompido porém por um agrafe que, não tendo aguentado apressão, se desprendeu do saca-agrafes e foi projectado no ombro de Patrão Bigodes, brilhando sobre o fundo preto do casaco dele.
- Vamos para a sala de reuniões- acrescentou de cabeça e voz baixa
As "Armazenadas" ordeiramente encaminharam-se para a pequena sala.
Ouviam-se sussuros:
- É pá! Já houve merda. Ganda cena
- Achas que é por causa de eu ter chamado "minha ganda vaca" à Cabeça de Fósforo no outro dia?
- Não minha! Cala-te! Deixa-te de cenas maradas!
Patrão Bigodes explicou perante a planeia atónita que o último dia do ano seria também o último de trabalho naquele sítio. Que lhe cabia a ele a dura tarefa de escolher quem poderia ser escoado para outras empresas e quem "vai ter de ter paciência".
Só depois dele se ter despedido com um "até amanhã, senhoras!" é que o crescendo no Armazém 6 começou.
Perante os olhares victoriosos de Cabeça de Fósforo e Sapo Atropelado podia sentir-se a enorme tensão.
- Xavala! Ganda cena!
- E quem é que vai ser despedido?
- Eu não!
- Ah pois! É assim, eu também não!
A partir daquele dia as amizades perderam-se e foi cada uma por si. Mesmo sem Patrão Bigodes presente, as "armazenadas" nunca arrancaram tantos e com tanto afinco os miseráveis agrafes!

quarta-feira, setembro 13, 2006

Há novos mundos!!

Estou de volta ao Armazém 6, mas vou começar a escrever sobre aquilo que se passa na empresa onde estou agora a trabalhar! Preparem-se para uma verdadeira aventura no mundo empresarial português! O chico espertismo levado ao extremo!!

Continuem a acompanhar.

quinta-feira, agosto 03, 2006

Olho de Serpente

Houve em tempos um “armazenado” que fazia as delícias das “armazenadas”. Rapaz jovem, atlético, louro de cabelo espetado e magro de rabo saliente. Mas, a opinião de todas era unânime: Faltavam-lhe os olhos azuis ou verdes.
- Xavalo! Tu com uns olhinhos claros ficavas mesmo perfeitinho para dar uma voltinha comigo!
- Ó bonzão! Olha lá! Olha aqui para mim! Ai. Ai. Com uns olhinhos claros é que me levavas ao altar.
- Uiii! Até ias à televisão!
Sussurrava-se pelos cantos: “minha! O gajo não tem namorada!”, “iá, mas xavala, aqueles olhinhos é que não estão a dar com nada!”
É claro que o rapaz, de olhos castanhos pequenos, encovados numa testa demasiado proeminente, ficava com o ego em fervorosa. Mas não passava dali. Elas riam-se histéricas e fugiam apressadas a qualquer tentativa de aproximação da parte dele.
- Ahahahahah! Vai mas é mudar de olhos e depois vem falar comigo!
Como o que ele queria mesmo era “dar uma” (ouvi-o eu uma vez num desabafo), tomou uma decisão.
“Vou comprar umas lentes de contacto coloridas! Estas gajas vão ver como é que é!”
Andou em pesquisas frenéticas na Internet, fez simulações com a própria fotografia para tentar escolher qual das lentes lhe ficava melhor.
Até que encontrou o ideal!
Umas lentes em forma de olho de serpente, amarelas com a íris preta num risco horizontal. Nada melhor para as surpreender! “Estas gajas vão ver como é que é” repetia, suando em frente do computador.
Encontrou estas lentes num portal coreano dedicado a piercings e tatuagens. Mas o problema surgiu quando, ao ir clicando para a compra do produto chegou à altura do método de pagamento: Só com cartão de crédito!
- Foda-se!!! Eu não tenho cartão de crédito! – Desesperou
Ainda tentou procurar noutros portais, mas nada! Olhos de serpente muito poucos e os que havia só permitiam pagamento com cartão de crédito.
“Isto tem de ter uma solução, vou arranjar alguém que tenha cartão de crédito, tem mesmo que ser! Estas gajas vão ver como é que é!”
No dia seguinte no Armazém 6, o rapaz “olho de serpente” conseguiu falar com um “armazenado”do seu problema.
- Iá! Não há problema, eu faço essa compra na net, mas eu também não tenho cartão de crédito – dizia calmamente
- Fosga-se meu! Atão não percebestes nada do que te expliquei! – Parecia ter falado demasiado alto e as “armazenadas” já começavam a desconfiar que algo se passava.
- Chhhiiuuu! Fala baixo meu! Que isto está tudo sob controle – apaziguava – Eu tenho um método de comprar na net sem crise nenhuma, trust me man!
E assim foi, qual o método não cheguei a perceber, o que percebi foi que no dia seguinte o rapaz “olho de serpente” chegou ao armazém com um saco de plástico do continente cheio de dvd pirata que vendeu aos “armazenados” por 3 euros cada. Havia variedade nos filmes e até pareciam de boa qualidade.
Passada uma semana, finalmente, as lentes olho de serpente chegaram ao destino.
Chegou ao Armazém 6, triunfante com os seus novos e sensuais olhos de serpente.
As “armazenadas” de início nem notaram até que uma delas explodiu:
- Ei!!! Olha lá para mim!
Ele, orgulhoso, levantou a cabeça lentamente e olhou de baixo para cima com os olhos bem abertos para ela, sorrindo de satisfação.
- Fónix!! Qué que tens nos olhos xavalo?? – gritou de tal modo que todas as outras “armazenadas” se aproximaram rapidamente. Até Cabeça de Fósforo espetou a sua cabecinha de fora do seu gabinete para ver que se passava.
- Gostas? É serpente.– pôs a boca de lado num sorriso sedutor
- Men!! Tu tens é de ir para o hospital! Dass!! Tás com os olhos a deitar amarelete por todo o lado!
Por esta altura já as “armazenadas” se riam descontroladamente.
Ele retirou-se rapidamente para ir à casa de banho verificar o que tinha acontecido.
As lentes coloridas tinham começado a desbotar o amarelo-serpente e ele tinha os olhos já num crivo de alergia e irritação.
No dia seguinte não foi trabalhar, chegou mesmo a apresentar um atestado médico ao Patrão Bigodes pela ausência.
Nesse dia no Armazém não se falava de outra coisa mas a melhor que ouvi, no auge da erudição do Armazém foi:
- Minhas! Se aquilo é pelo olho de serpente imagino pelo olho do cú!
Riram-se todas e até o Armazém 6 parecia mais colorido de alegria.

terça-feira, julho 11, 2006

Que pena!

Oh! Que pena tenho de não estar no Armazém 6 para ver as caras chorosas com o fim do mundial.
Oh! Que pena tenho de não ter visto o dia a seguir da derrota de Portugal!
Oh! Que pena tenho de não ter ouvido dizer: "E agora? Parece, tipo, que tenho um vazio!"
Oh! Que pena tenho de não ver as "armazenadas" encostadas a um canto, enquanto Patrão Bigodes as tentava incentivar: "Vá, vá, vamos trabalhar. Daqui a quatro anos há mais. E não se esqueçam do europeu"
Oh! Que pena tenho de conseguir ainda visualizar tudo isto, como se lá estivesse!

terça-feira, julho 04, 2006

Circuito eléctrico

Hoje, lembrei-me de repente, veio-me à cabeça, dois meses volvidos sobre o meu abandono do Armazém 6, do dia a seguir à morte do Francisco Adam (aquele dos morangos com açúcar).
Alguém se chegou ao pé de mim, com ar desconsolado pela morte do rapaz e afirmou com um ar muito grave e sério:
- Sabes, a morte dele até chegou ao Papa! - com os olhos húmidos benzeu-se e virou-me as costas.

Pouco tempo depois uma outra "armazenada", desta vez com mais entusiasmo, incitou-me:

- Bruaca! Xavala, vou reenviar-te uma mensagem SMS que tenho aqui!
- Mais uma piada? - respondi suspirando
- Não minha! Isto é sério, muito importante, acredita xavala! - parecia muito empenhada, de facto
- ok, manda lá isso então, mas é o quê?
- Minha, é bué da fixe! Tenho aqui o número do telemóvel do Francisco Adam, é para mandares uma mensagem para ele!
- O quê?! - mandar uma mensagem a um fantasma? pensei...
- É assim, tipo, é que ele vai ser enterrado com o telemóvel! Topas? Vai receber bué da mensagens! Manda também! - retirou-se, quase tropeçando num vaso que por ali estava pois, de cabeça baixa, estava já frenética a teclar no telefone.

Hoje, quando me lembrei disto, foi como um circuito eléctrico a trespassar-me...