Armazém 6

quinta-feira, setembro 29, 2005

Está escuro mas alegre

Hoje, no Armazém 6, falava-se de Filosofia.
Houve alguém que disse ter gostado muito de filosofia na escola.
Sobretudo da "Alegria da Caverna" de Platão.

quarta-feira, setembro 28, 2005

Uma questão de status

Ao lado do Armazém 6 existe um outro armazém que é o Armazém 7.
Neste, estão armazenados os mais variados materiais eléctricos, antenas, fios, cabos e interminávéis caixas que nunca descobri o que contêm.
É um armazém enorme onde se perdem de vista as prateleiras metálicas empoeiradas.
Aqui trabalha o Torto, que na realidade apenas tem a função de lá estar, nada mais.
Oito horas por dia ganhando o salário mínimo nacional.
Mas o Torto tem algo que todas as "armazenadas" invejam:
O acesso à internet, sem restrições!
O computador no Armazém 7 está situado numa pequena sala de 3 metros quadrados onde mal cabem três pessoas.
O Torto é um gajo porreiro e deixa as "armazenadas" lá irem à hora de almoço.
Mas nem todas as "armazenadas".
Nunca percebi qual o critério, mas julgo que sejam aquelas que conseguem ser mais convincentes quando o chamam de "Direito".
À hora de almoço, algumas engolem o conteúdo dos seus tupperwares vertiginosamente, mastigando e gritando:
"Rápido... Vamos ao Torto!"
Por vezes, dentro da hora de expediente, vê-se um movimento suspeito de entrada e saída:
- Foram ao Torto...
Regressam apressadas, com risinhos e muito bem dispostas.
Mal entram no Armazém 6, rapidamente readquirem uma postura séria e profissional.
"Não, ninguém sabe nem desconfia o que fomos fazer"
As Eleitas, que têm direito a ir ao Torto, recusam-se a partilhar o seu segredo.
Até porque a pequena sala não comporta muitos...
É o Lobby do Torto.
No entanto, são já demasiadas, porque aquela sala fica literalmente apinhada, com várias "armazenadas" que se atropelam para um lugar onde se consiga ver o monitor. Gritam e discutem energicamente:
"Agora é a minha vez!!!"
"Nem penses!!! Eu cheguei primeiro e tu ontem já cá estavas quando eu cheguei!! Vá minha! Baza daqui!".
É um verdadeiro pandemónio em 3 metros quadrados.
O Torto assiste paciente, é um gajo porreiro.
Mas de uma maneira ou de outra lá conseguem organizar-se sem grandes ressentimentos.
Para alguém que chegue de novo ao Armazém 6, tudo isto parece ter um toque misterioso.
Afinal de contas, quem está de fora, o que vê é uma pressa enorme em ir ao armazém do lado, a ida preocupada, o regresso sorridente e, à hora de almoço, uma ou outra "armazenda" de trombas.
Pensará : "Mas que irão lá fazer? E quem é aquele Torto? O que faz? O que existe no Armazém7?"
Não é fácil gerir a confusão que isto pode causar.
A ida ao Torto é, de algum modo, uma questão que incomoda a quem não sabe o que lá existe.
A única solução é ter esperança que um dia alguém nos convide:
"Vou ao Torto, queres vir?"
De vez em quando isso acontece e é por isso que a lotação está à beira do esgotamento.
Um convite para uma ida ao Torto é portanto uma oportunidade de arranjar novos amigos.
Um convite para uma ida ao Torto é um elogio ao ego.
Um convite para uma ida ao Torto é, afinal, uma boa oportunidade de ver e rever todos os mails "forward" que o Torto recebe dos amigos dele.
Um convite para uma ida ao Torto é um evento cultural, onde todos se divertem com as anedotas diárias.
Um convite para uma ida ao Torto é um salto no status no Armazém 6.

Um voto na (in)diferença

Hoje, diálogo no Armazém 6:
- Entãããooo? Vais votar?
- Eu?! Eu não! Para quê? em mim também ninguém vota.
- Mas tu não és candidata...
- Ah! Tábem! Mas isso é diferente!

sexta-feira, setembro 09, 2005

Introspecção

Hoje fui à loja do Cidadão entregar os papéis do óbito do Aquilino.
Entreguei os seguintes documentos:
1) Certidão da Conservatória do Registo Automóvel
2) Impresso da DGV
3) Cópia do impresso da DGV
4) Livrete
5)Registo de Propriedade
6) Fotocópa do BI
Foram 6 documentos no total...
Tirei a minha senha nº.363...
Fui atendida...
Esperei que a funcionária confirmasse tudo e ela disse que estava tudo ok.
Ela disse-me "Boa Tarde!"
Eu levantei-me, mas ainda vi a senhora a arrumar os últimos documentos do Aquilino.
Agarrou num agrafador e...
Espetou com 6 agrafos nos documentos!
Um em cada folha!
Dei por mim a descer as escadas rolantes da loja do Cidadão e a pensar se haveria alguém nesta cidade que, um dia, sacaria aqueles agrafos com um saca-agrafos decente e funcional.
Não é nada fácil sacar agrafos se não se tiver a ferramenta adequada.
Bem vos digo...

A Grande Golpada

Jorge Gabriel consegue ser convicente. A sua mais recente publicidade aos supermercados Jumbo promete, entre outras aliciantes surpresas, devolver 20 vezes a diferença de preço se alguém encontrar o produto do dia mais barato.
Ontem anunciou uma embalagem de detegente Skip de 48 doses a apenas 7.99€.
Para quem anda nas lides domésticas e sabe destas coisas é, de facto, um bom preço.
Ao Armazém 6 nenhuma destas coisas escapa impune.
De modo que hoje, à hora de almoço, organizou-se uma excursão de três "armazenadas" ao Jumbo para ir comprar o dito detergente.
Ainda eram 12:50 já arrumavam frenéticamente os agrafos, os sacas-agrafos e as folhas para que pudessem sair exactamente à 1 da tarde.
"Despachem-se meninas. É assim, deve estar lá bué da pessoal!"
"Já vai! Já vai!"
"Esperem por mim, gajas!"
E lá foram...
Regressaram, exuberantes com 4 enormes embalagens de Skip, 48 doses.
"Iá! Espectáculo! Já viste? Bué da barato..."
Até que...
Alguém teve uma ideia brilhante.
"É assim, tive cá uma ideia meninas!"
"Chuta!"
"Se eu pedir ao Sr. Manuel lá da mercearia de Moscavide, que me venda o Skip a 7.98€, venho aqui ao Jumbo outra vez e ganho bué da dinheiro! Eles dão 20 vezes, pessoal! Dou metade ao Sr. Manuel claro! Também, é assim, não sou assim tão forreta." Saltitava enquanto olhava maravilhada para as embalagens de Skip, depositadas à entrada da copa.
"Iá! Iá! É uma boa ideia.." diziam todas impressionadas.
Então pensei que se o que devolvem é 20 vezes a diferença de preço, concluí que a grande golpada traria uns 20 cêntimos, dez dos quais para o Sr.Manuel de Moscavide.
São cêntimos bem limpinhos porém...

terça-feira, setembro 06, 2005

O homem do Smart

No Armazém 6, são utilizados muitos computadores.
Na realidade apenas o teclado numérico é utilizado e a aplicação onde trabalhamos que é da autoria de Patrão Bigodes.
Muitas vezes, os computadores, que são velhos e pouco actualizados, precisam da assistência técnica de alguém competente para o fazer.
Esse alguém é o Louro...
O Louro...
Ai o Louro...
O Louro Aparece quando menos se espera. Apenas Cabeça de Fósforo o pode chamar e não antes de ela própria ter verificado o funcionamento do pc em questão. Coça a cabeça e diz:
"É assim, faz o restart. E depois é assim, se não der logo se vê..."
Cabeça de Fósforo insiste em achar que todos os problemas se podem resolver com um simples "restart" do computador. Chegou uma vez a dizer:
"É assim, faz o restart. É assim, se não der faz-se o restart amanhã e depois é assim, se não der logo se vê..."
Mas, o restart não resolve os problemas e ela chama o Louro.
Não avisa a ninguém que o fez e, portanto, ele pode chegar a qualquer momento.
Chega num automóvel Smart azul, baixinho e aerodinâmico, com grande alarido e chiar de pneus aí vem ele.
Entra pela porta do Armazém 6, caminha segurissímo de si, com a chave do Smart pendurada ao pescoço, numa daquelas fitinhas que se usam. Avança de peito inchado, cabeça levantada, dirige-se a Cabeça de Fósforo e nem diz " Boa Tarde".
O Louro é também porteiro numa discoteca da moda em Lisboa, pratica frenéticamente os músculos suando nos caros ginásios da capital e presume que as "armazenadas" se embeiçam por ele, chegando estas ao ponto de apagar programas do computador para poderem ter esperança que um dia destes o Louro entrará pela porta adentro, com a chave do Smart balouçando no seu peito musculado.
Não se engana muito.
Houve em tempos uma "armazenada" que ficou apaixonada por ele.
Nunca lhe tinha falado nem o Louro alguma vez tinha reparado nela, até porque essa "armazenada" era um pouco gordinha, mas muito simpática.
Quando o Louro se sentava à frente do computador, ela simulava idas à casa-de-banho ou à copa apenas para poder passar por perto e "snifar" um pouco do seu perfume intenso. Ficava nas nuvens. Corava muito e fugia a correr no meio de risinhos incontrolavéis.
Certo dia, Cabeça de Fósforo não estava e a "armazenada" resolveu tomar uma atitude.
Foi às gavetas de Cabeça de Fósforo, e consegui descobrir o número de telemóvel do Louro.
Durante o resto do dia, andava desorientada com o telefone na mão e dizia: "telefono ou não? telefono ou não? telefono ou não?"
No dia seguinte resolveu mandar uma sms ao Louro que dizia: "Smart azul?"
A resposta foi: "Sim, é lindo não é? mas quem és tu?"
"Não tão lindo como tu..." atreveu-se a responder
Não trabalhava, e não sacava um único agrafo enquanto ele não lhe respondesse, pois as mãos estavam apenas ocupadas com uma única coisa: o telefone.
O Louro ia sustentando a conversa que lhe enchia o ego, e falavam da potência do carro e da bela compleição física daquele, obtida à custa de muitos esteróides .
Mas um dia o Louro lá se deve ter fartado de não saber com quem estava a falar e aos poucos, foi espaçando cada vez mais as mensagens. Ele queria saber com quem estava a falar, e ameaçava acabar com a conversa enquanto não soubesse.
A "armazenada" estava em pânico. O que fazer?
"Não posso perdê-lo"
"Vou ter que lhe dizer quem sou, quero marcar um encontro com ele"
"Se calhar vou à discoteca onde trabalha, como quem não quer a coisa..."
A "armazenada" andava confusa e desorientada.
Era preciso resolver o problema.
Então ficou acordado entre eles que ele iria jantar com ela no dia em que ela lhe dissesse quem era.
A "armazenada" encheu-se mesmo de coragem e mandou a seguinte sms:
"Armazém 6"
O louro respondeu então que passaria por lá às 18:00 h para a ir buscar.
A "armazenada" nesse dia passou todo o tempo na casa-de-banho...
À hora combinada, o Louro telefonou a perguntar qual das "armazenadas" ela era.
A "armazenada" respondeu: "Sou aquela loura um pouco gordinha, então e já aí estás fora à minha espera?"
Mas o pior foi quando o Louro disse:
"Foda-se!!!! Não xavala!!! É pá desculpa lá mas eu pensava que eras aquela magrinha de cabelo comprido, olha minha: Caga nisso, ok?" e desligou.
A "armazenada" ficou arrasada, chorou e disse que se ia despedir, nunca mais poderia olhar para a cara daquele louro que andava de Smart azul.
Enquanto o resto das "armazenadas" em bom companheirismo feminino, tentavam consolá-la, dizendo que ele não a merecia que era um porco etc... O telefone voltou a tocar.
Era ele de novo.
"Eh pá desculpa lá, mas não tens o telefone da tua amiga daí? aquela magrinha de cabelo comprido?"
A "armazenada" desligou o telefone.
A magrinha de cabelo comprido era Surucucu.
A "armazenada" ao fim de 2 semanas abandonou o Armazém 6 e nunca mais a vi.