Armazém 6

terça-feira, fevereiro 21, 2006

"Vocês não são como nós"

Trabalho no Armazém 6 desde 19 de Abril de 1999.
Já lá vão quase 7 anos!!!!
Há pouco tempo descobri, por mero acaso navegando na página de internet da empresa onde presto serviços como "outsourcing", que tinha direito a benefícios da empresa acolhedora desde que fizesse 6 meses de casa:
Os "Benefícios para colaboradores não-Empresa", chamemos-lhes BCONE.

Pode parecer estranho que apenas ao fim de tantos anos descobrisse este facto. Mas isto é perfeitamente compreensível, tendo em conta a maneira como sempre fomos tratados por Cabeça de Fósforo:

- É assim, vocês são outsourcing. É assim, vocês não são como nós!

Nunca imaginei que pudesse ter estes BCONE, tendo em conta que nem açúcar podemos ter para pôr no café.

Fiquei completamente estupefacta com esta descoberta e, mais ainda, supremamente revoltada com o facto de Cabeça de Fósforo (que sempre soube) nunca nos ter dito nada.

Chamei os "armazenados" e expliquei o que tinha acabado de descobrir.

Foi o caos.

Todos gritavam exaltados dizendo:
- Porra! Eu tenho direito a isso! Isto não pode ser! Quero o BCONE já!!!
- G'anda puta essa Cabeça de Fósforo!
- Qué que ela pensa que é?! Acha que está a poupar dinheiro à Empresa é? Ca nojo minhas!!

Depois dos desabafos, resolvi enfrentar Cabeça de Fósforo:

- Olha lá, tu sabes alguma coisa de BCONE?
- É assim, que BCONE? Vocês não são como nós!
- Pois não, felizmente, mas é que encontrei isto - e disse-lhe que abrisse a página da net onde estavam referidos os BCONE.
- É assim, isto não é para vocês, e não sei quê.
- Então é para quem?
- É para colaboradores não-Empresa.
- Então o que somos nós na tua opinião?! - já começava a levantar a voz.
- É assim, vocês são... é assim, vocês não são como nós!
- Já percebi isso, Cabeça de Fósforo, mas então vê lá o que é que somos e depois informa-te para nos dizeres algo, tá bem?!

E retirei-me em pleno estado de ebulição.

- Então Bruaca? Que te disse? - perguntavam os outros.
- Vai informar-se - respondi discretamente e voltei ao trabalho.

Passaram-se dois dias...

- É assim, vocês não são como nós mas têm BCONE e não sei quê.
- E então?- alguém perguntou.
- É assim, têm que ir à sede e buscar papéis para preencher.
- Mas não podes pedir os papéis para nós?
- É assim, não! Têm de ir à sede.
- Então eu amanhã de manhã não venho trabalhar! - disse eu - Vou já lá amanhã buscá-los, sabes, é que já tenho 6 anos de atraso!!

Não sei se percebeu a minha indirecta, mas respondeu:

- É assim, fazes como quiseres e não sei quê.

Na sede disseram-me que era Cabeça de Fósforo que teria de enviar os papéis mas, perante a minha indignação, aceitaram dar-mos a mim e ainda para todos os meus colegas (cerca de 12).

Na tarde desse dia, cheguei triunfal com um envelope cheio de impressos para preencher, 4 por pessoa, ou seja, 96 impressos!

- É assim, só preenche quem tem seis meses de casa e não sei quê!

Foi aqui que a polémica estourou...

- Então e eu Cabeça de Fósforo?
- É assim, tu o quê? Tu não és como nós mas és como todos vocêzes, percebestes?
- Mas é que eu estive de licença de maternidade, como é que é?
- É assim, quando é que voltaste?
- Fui em Julho e regressei em Outubro.
(Era Fevereiro)
- É assim, então não tens BCONE. - Contou pelos dedos os meses - É assim, só tens 4 meses de casa e não sei quê.
- Mas.... eu estou cá desde 2001!!!
- É assim, mas só estás cá há 4 meses, não tens BCONE.

A discussão foi imensa...

Percebi que algo se estava a passar e perguntei à "armazenada" em questão o que estava a acontecer.
Ela explicou-me que não tinha BCONE porque Cabeça de Fósforo, no dia imediatamente a seguir de ela ter dado à luz, lhe cancelou tudo com um inabalável fax para a sede: "Esta senhora já não trabalha aqui".

Fiquei furiosa. Então aquela Cabeça de Fósforo, manifesta comunista, nem sequer compreende uma das coisas mais básicas como o direito à maternidade?!
Simplesmente seguiu os procedimentos adoptados para um caso de despedimento ou "fuga" de "armazenados".
Para ela, a "armazenada" despediu-se no dia em que deu à luz.

Resolvi telefonar a Patrão Bigodes.
Com um grande discurso convenci-o a falar com Dr. Fintas para que se informasse se aquilo era realmente possível de acontecer.
Dr. Fintas nunca chegou a dar uma resposta.

Patrão Bigodes, apesar de indignado, não voltou a falar no assunto.

E eu esperei para ver o que acontecia...

Ontem, no Armazém 6, chegaram os papéis dos BCONE...

Os da mãe "armazenada" não vieram...

Cabeça de Fósforo diz que o processo está a ser analisado, que precisam de perceber porque é que aquela funcionária esteve ausente durante 3 meses e meio.

Mas o que é que há para perceber?!

Espero com ansiedade o desenrolar disto...

domingo, fevereiro 12, 2006

Vale a pena!

Se bem que o propósito deste blog sejam as histórias que vivo no Armazém 6, sinto-me na obrigação de vos deixar aqui um link para um blog que realmente vale a pena visitar.

É o blog que, sempre que visito, me deixa lavada em lágrimas de tanto rir.

Experimentem vocês também.
Recomendo comentários frenéticos.

versus

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Expressões em Liberdade

Ontem, no Armazém 6, tive uma férrea discussão com uma "armazenada".

Ela resolveu começar a chamar de "Babuíno" a um "armazenado" recém-chegado.
Este "armazenado" tem uma cor de pele bem mais escura que a minha.

É preto, pronto!

Disse-lhe que não voltasse a fazer isso, pois a mim incomodava-me.

- Qual é o teu problema xavala! Eu chamo Babuíno a quem me apetecer! Incomoda-te?! pois azar, ele a mim não me disse nada! É o que ele é, um macaco!
- Não te atreves a chamá-lo de Babuíno à frente dele, pois não? - estava deveras irritada
- Mas se quiser chamo!
- Então experimenta!
- ah. Ele agora não está ali. Mas qual é a tua?

Eu, até pela actualidade da coisa, disse:

- Tu estás no teu pleno direito de chamar Babuíno ao "armazenado", mas eu estou no meu pleno direito de me sentir incomodada com isso. Portanto, quando quiseres chamá-lo de Babuíno, respeita-me e não o faças à minha frente, ok?

domingo, fevereiro 05, 2006

Desafio VII (O Fim)

Quinta-feira, 1 de Julho de 2004, 9 da manhã

Quando cheguei ao Armazém 6 fui ter imediatamente com Sapo Atropelado, que, descontraída, já estava nos chats com os amigos.
- Bom dia! Sabes, encontrámos um envelope vermelho na reciclagem com a data de 25 de Junho. Não terá sido esse envelope que entregaste a Aníbal?
- Tipo... não. Tipo, já disse, tipo naquela, que o envelope era branco e que eu o entreguei a Aníbal.
- Então que envelope é este? - perguntei, fazendo ar desinteressado.
- Tipo, sei lá! É um envelope qualquer que práí estava.
- Mas nós já tínhamos revistado aquela caixa e não tínhamos encontrado nada, sabes, é que dá ideia que alguém o pôs lá depois, na Terça por exemplo.
- Tipo, não sei. Tipo, o melhor é perguntares aos "armazenados" todos, pode ter sido um deles.
- Não haveria motivo... - já estava derrotada nesta altura.
- Olha, tipo, não me chateies mais com essa história! Os DBI desapareceram! E agora, tipo, vamos ver o que decide o Dr. Fintas.
- Tens razão, Sapo Atropleado- e retirei-me em fervura absoluta.

Comuniquei esta conversa a todos os "armazenados" e ficámos todos de acordo em manter a decisão do dia anterior.

Todos os "armazenados" trabalhavam afincadamente com dois objectivos bem definidos: Encontrar os DBI às partes, disfarçados no meio de outros documentos e manter Sapo Atropelado debaixo de olho.

Cabeça de Fósforo estava ausente e isso poderia jogar a favor de Sapo Atropelado.
Cada ida à casa de banho era escrupulosamente controlada.
Cada saída do gabinete.
Cada movimento junto da mesa com documentos.
Tudo estava no controle.
Alguns até, com pretextos bem articulados, mudaram de lugar de modo a terem uma visão mais ampla do Armazém 6 e, sobretudo, de Sapo Atropelado.

Mas nada aconteceu.
Nem rasto dos DBI.
Sapo Atropelado não se comportou de maneira diferente, passou o dia ao telefone e nos chats.

Chegaram as 18h.
Todos nós fomos embora, com o sentimento de revolta inerente ao espectáculo de uma injustiça.

Sexta-feira, 2 de Julho 2004, 10:15h da manhã

- É assim! Os DBI apareceram! - anunciou Cabeça de Fóforo para a plateia.
- Apareceram?! Onde?! Quando?! - ficámos boquiabertos.
- É assim, estavam hoje de manhã na mesa com documentos junto com os documentos trazidos pelos estafetas e não sei quê.
- Como?! - exclamei - Com que data?
- É assim, a data de hoje e não sei quê.
- Como?! - exclamei de novo.
- É assim, és surda e não sei quê?
- Como?! Como é que pode ser?! E o envelope que Sapo Atropeldao entregou a Aníbal? É o quê?!
estamos a brincar é?! Onde está Sapo Atropelado?!
- É assim, não vem hoje, parece que foi ao médico e não sei quê.
- Como?! Ao médico?! - estava de cabeça perdida.

- Olha lá - disse Surucucu - Caga nisso Bruaca, o importante é que tenham aparecido.
- Como?! Nem pensar! Exijo falar com Sapo Atropelado!
- É assim, não sejas ridícula Bruaca, Sapo Atropelado não está e não sei quê. Esperas por segunda-feira e não sei quê. É assim já apareceram e vou reportar já isto ao Dr. Fintas.

Fiquei furiosa. Não me conseguia conter e gritei histérica:
- Mas que merda! Ninguém tem inteligência neste raio deste Armazém?! Se o envelope andou perdido com os estafetas até hoje, que envelope andámos à procura desde a semana passada?! Porra!!

Ficaram estupefactos.

- É assim Bruaca. Volta ao trabalho e não chateies e não sei quê.

Voltei ao trabalho, já contando os minutos até segunda- feira.
Algumas "armazenadas" ainda se chegaram ao pé de mim com palavras de consolo, dizendo que o que era importante era que os DBI tinham aparecido.
Isto fazia-me ficar ainda mais deprimida, ninguém parecia mais importar-se com a verdade. Ficavam satisfeitas só com o facto de terem ficado livres de risco com a responsabilidade.

Segunda-feira, 5 de Julho de 2004, 9:00h da manhã

Chegou Sapo Atropelado, com ar jovial disse um "Bom Dia!" alegre e foi para o seu gabinete.

Passados uns minutos Cabeça de Fósforo, Surucucu, Aníbal e Sapo Atropelado, reuniam-se na sala de reuniões. Faziam um ar sério e preocupado.
Pensei : "É agora. É agora que finalmente vão questionar Sapo Atropleado"

Ao espreitar pela frincha da porta vislumbrei o rosto de Sapo Atropelado, vermelho e inchado que soluçava palavras disconexas.

"Foi apanhada!" pensei.

Mas...

Quando sairam, interpelei imediatamente Surucucu e perguntei:

- E então? Confessou?
- Ah. Não, coitada estava tão nervosa que nem conseguia falar, chorou muito e tudo , coitadinha. Sabes, ela estava mesmo preocupada com os DBI. Olha, deixa lá, o importante é que tenham aparecido.

(...)

Nada a fazer, engolir o sapo e pronto!
Que revolta senti.

Jurei a mim mesma que no verão seguinte compraria um poster gigante do filme "Sei o que fizeste no verão passado" e o colocaria bem à frente do gabinete de Sapo Atropelado.

Agora digam lá:
Além de umas palmadinhas nas costas de um Sapo Atropelado lavado em lágrimas,
Que aconteceu realmente?

Percebi claramente o que aconteceu:

Sapo Atropelado entregou um envelope errado a Aníbal, sem intenção, e esse era o envelope vermelho.
Ao aperceber-se do erro, voltou atrás (enquanto Surucucu estava no WC) e recolheu-o sem que ninguém desse por isso.
Sem intenção, mais uma vez, esqueceu-se de dar o verdadeiro envelope a Aníbal ou mesmo a Surucucu.
Afogada em mensagens de messenger e icq, não voltou a pensar mais no assunto.
Quando explodiu a bomba sobre os DBI, não quer dizer que afinal se tinha esquecido de dar o verdadeiro envelope. (Até porque Dr. Fintas já tinha sido informado).
Deixou correr o caso.
Terça-feira, deitou fora o envelope vermelho.
Quarta-feira não veio trabalhar.
Quinta-feira meteu os DBI no correio interno com a data do dia.
Sexta-feira não veio trabalhar.
E, provavelmente, durante o fim de semana pensou :" Os DBI vão aparecer, e todos vão pensar que andaram perdidos no correio interno"...

Pois, teve pouca inteligência.
Mas, não menos do que aqueles que lhe deram a palmada nas costas quando se lavou em lágrimas dizendo aos soluços:
"É verda...de, estavam no correio inter...no... Nããoo seei! Chuiff chuiff"

A minha conclusão é esta e é, sobretudo, a de que safa-se quem está por cima e não precisa de ser mais inteligente do que os outros. E quem consegue sentir-se bem no presente rapidamente esquece as injustiças que lhes foram cometidas no passado.


FIM