Armazém 6

quinta-feira, julho 28, 2005

Personagens - Cabeça de Fósforo

Cabeça de Fósforo é o segundo e último elemento do lado delas.
Hierarquicamente está acima de Sapo Atropelado, mas ambas estão acima tanto do lado de cá como do lado de lá. Portanto, no Armazém 6, a Cabeça de Fósforo é o cume da autoridade.
A sua característica mais marcante, mesmo para quem a ouça pela primeira vez, é o sistemático, insistente, repetitivo, multiplicativo, opressivo e esmagador emprego da expressão "É assim!".
Cabeça de Fósforo a "armazenada" mais antiga, começou com um pequeno trabalho temporário mas, num golpe de sorte, ficou com o "posto a que já cheguei".
Um dia quando interrogada porque não retornava a estudar respondeu:
"É assim, eu?! para quê? É assim, com o posto a que já cheguei?! É assim, não vale a pena, até porque é assim."
Assume-se como comunista ferrenha, mas é uma compradora diária do jornal "24 horas", porque tem um formato pequeno e dá jeito trazer o jornal debaixo do braço.
Apenas falhou a sua compra durante algumas semanas, quando um certo Dr. da Merda, teve no Armazém 6 uma grande influência nela.
Este Dr. da Merda conseguiu exercer grande poder sobre Cabeça de Fósforo apesar da sua estadia de apenas dois meses. Esta influência foi, no entanto, tão forte que Cabeça de Fósforo deixou de comprar o "24 horas" e passou a comprar " O Público".
Refira-se que o Dr. da Merda era um intelectual que numa ida à FNAC perguntou à menina do balcão: "Tem o livro "O Leão" de Tolstoi?".
Cabeça de Fósforo, quando assumiu "o posto a que já cheguei" viu-se, de repente e sem aviso, numa situação complicada.
Nos primeiros meses desabafava com os demais que não conseguia falar ao telefone, escrever um e-mail ou tão pouco receber o homem da Personalis, sem ficar uma pilha de nervos, era uma responsabilidade demasiado elevada.
Mas aos poucos adaptou-se e, hoje em dia, apesar de não conseguir evitar atender o telefone sem dizer "É assim!", de não conseguir escrever um e-mail sem o "É assim." e de não saber pronunciar as palavras escritas em inglês nos erros de computador quando tem de explicar, pelo telefone, aos técnicos informáticos que tentam deseperadamente perceber o que se passa com os PC's, consegue fazer tudo isto airosa e intelectualmente descontraída.
Assina as guias de transporte dos homens da Personalis com um elegante rabisco, que cá para mim, no meio das curvas espiraladas e convictamente caligrafadas bem que podia estar, disfarçado e asseguradamente ilegível, o nome do Dr. da Merda.

terça-feira, julho 26, 2005

Personagens - Sapo Atropelado

Sapo Atropelado
É uma das protagonistas das melhores histórias do Armazém 6.
Mulher, 26 anos, escorpião (para ela isso é muito importante)
Obcecada com a entrada do ar exterior dentro do armazém. É responsável pela altura a que deve estar o portão de lagarta existente à entrada.
Faz parte, com Cabeça de Fósforo (em breve também a sua apresentação), do duo que não pertence aos demais do armazém. Eu explico:
Existem 3 lados:
- O lado de cá
- O lado de lá
- O lado delas
Sapo Atropelado e Cabeça de Fósforo fazem parte do lado delas. Este lado tem algumas diferenças com o lado de cá e o lado de lá, que serão explicadas em devida altura, mas que são preponderantes em alguns dos casos que serão contados.
Sapo Atropelado namora com Isidro que conheceu nos chats da internet, durante as horas de expediente.
É filha de primos direitos.
Já vai na sua segunda gravidez histérica.
Sofre de autoridade inexistente.
Sapo Atropelado é uma "armazenada" há três anos.

Aguentem aí!!!

Aguentem aí!!! Está para muito breve a apresentação dos personagens.
A não perder!!

domingo, julho 24, 2005

Os sobreviventes do tsunami andam bem calçados

Pela altura da tragédia do tsunami, todos andávamos pensativos, bombardeados com imagens televisivas de cadáveres inchados e cinzentos. Houve também histórias maravilhosas de mães que encontraram os filhos, de um rapazinho que se salvou com uma camisa da selecção nacional vestida.
Durante semanas, os telejornais nacionais ocupavam o seu espaço com entrevistas a quem por lá passou ou, pelo menos, que conhecesse alguém que pela tragédia tivesse passado.
Logo no dia seguinte à tragédia, 27 de Dezembro, havia já uma conta bancária, que passava insistentemente em rodapé nas televisões, para quem quisesse ajudar as vítimas, aliás, os sobreviventes. Milhares de pessoas se dispuseram a ajudar os pobres desgraçados que tanto mal nos faziam sentir à hora do jantar na televisão.
Pediu-se ajuda a todos. Comida, roupas, água potável, enfim, bens de primeiríssima necessidade. Todos queriam colaborar. A situação era, de facto, chocante.
O Armazém 6 não fugiu à regra...
Uma "armazenada" chegou uma manhã e, orgulhosa, declarou que também ela já tinha dado o seu contributo às vítimas do tsunami, nomeadamente às vítimas da Tailândia.
Tinha enviado, através da paróquia da sua freguesia, um par de sapatos de salto alto, salto agulha...
Saltitava, contente pela sua colaboração e apregoava a sua generosidade para com as pobres vítimas. Sentia-se bem e sonhava ainda com algo:
- Já imaginaram pessoal? Imagina eu estar a ver o telejornal e de repente, ver alguém com os meus sapatos calçados. Era o máximo!! Bué da fixe! Punha-me logo aos gritos: Olha! Olha! os meus sapatos na televisão!!! Espectáculo!!
Bom, parece-me que tudo pode ter a sua utilidade neste mundo (que lamacento ele é na Tailândia!).
Imagine-se, por exemplo, as prostitutas da Tailândia, desalojadas, sem as suas roupas de lantejolas, apenas com trapos para vestir, sem maquilhagem.
Sem clientela...
Ora, se alguém porventura quiser pagar a uma prostituta nesta situação, escolherá, decerto, a mais bem calçada!...
Aquele donativo dos sapatos de salto alto demonstrava uma larga visão que Bruaca não se apercebera à primeira.

sábado, julho 23, 2005

Em tempo de seca...

Dos momentos diários passados no Armazém 6, o mais alto é sempre a hora de almoço, impreterivelmente das 13 às 14 horas.
A grande maioria dos "armazenados", que são cerca de 13, faz-se transportar de um tupperware que contém a comida para aquele dia. Os tempos estão maus, e não há capital para sustentar os restaurantes da zona.
Com 4 metros quadrados, a copa consiste numa mesa redonda para quatro pessoas, um pequeno frigorífico, um aparelho de microndas, uma máquina de café e um lavatório que insiste em revoltar-se com o seu constante entupimento.
Às 13 horas, um primeiro grupo ocupa a copa, constituído por 6 pessoas, que podem variar, mas que normalmente são sempre as mesmas por motivos que se tornarão claros ao longo dos posts que aqui serão criados. É feita uma fila de tupperwares ao lado do microndas de modo a que cada um não perca a sua vez de aquecer o desejado almoço.
À mesa, sentam-se seis "armazenados", apertados e acotovelados, quase que partilham os talheres, pedaços de comida e eventuais perdigotos que possam surgir durante o falatório e a comezaina.
De quando em quando, alguém tem comida mais elaborada, e todos provam e partilham, espetando os garfos no prato desse, saqueando a melhor parte: "Está muita bom!, como fizeste?", "Xavaaala, tá muita fixe...", "Queres um bocado do meu?, tá fixe.".
E assim se come, no meio de talheres de plástico, que se espetam no cotovelo do vizinho.
Certo dia, um dos "armazenados", o Sapo Atropelado (o porquê do nome será explicado mais tarde, na secção alcunhas e hierarquias) queixou-se:
- Ai... já não me apetece comer - suspirando e com pequenos arrotos internos insistia:
- Este resto de comida... já não consigo mais... estou cheia..
À sua frente, a Bruaca ripostou:
- Se não queres mais, não comas, que raio...
- Nãããão, não posso, faz-me impressão deitar comida fora. Se fosse pão, dava-lhe um beijo e deitava-o para o lixo, mas assim.. - Tinha um ar preocupado, a culpa de deitar restos de comida poderia ser-lhe demasiado pesada.
- Bom, se formos a pensar em tudo aquilo que desperdiçamos.Olha a água por exemplo, tanta que desperdiçamos e que tanta falta faz a milhões de pessoas. - Disse a Bruaca indiferente
Mas, a reacção de Sapo Atropelado foi inesperada. Abriu os olhos, retorceu-os, endireitou-se na cadeira de plástico, fazendo ranger todo o conjunto do mobiliário e disparou:
- NÃO, Bruaca! É que tu não estás bem a ver a cena! Eu, eu, por exemplo, não desperdiço água! Eu, por exemplo, tipo, se vou a um café e peço um copo de água, bebo-o todo!! Tás a perceber?!

sexta-feira, julho 22, 2005

2001 agrafes numa tarde

Este é o ínicio de uma grande série de histórias.
São histórias verídicas, passadas num armazém nos arredores de Lisboa.
Este armazém é um verdadeiro mundo social à escala piloto, onde tudo se pode passar, onde se podem encontrar os melhores protótipos de personagens bem portuguesas, onde tudo é uma barafunda e onde todos saltitam, em cada dia, de sentimento em sentimento, levemente, como de nenúfar em nenúfar.
Muitas vezes é apenas uma questão de horas:
"É bué da fixe", "detesto-a", "irrita-me", "não posso com ela", "É uma bacana", "deve ter a mania", "É minha amiga", "É uma cretina, que não interessa a ninguém".
Ao longo deste blog serão relatados episódios que têm tanto de triste como de cómico, será um retrato de personagens, todas elas diferentes, mas todas com um denominador comum: Todas conseguem sacar 2001 agrafes numa tarde.